O Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico tem por objetivo alcançar a universalização do acesso aos serviços de saneamento básico no território brasileiro, pois muito embora sejam inegáveis os avanços, atualmente, mais de 16% da população, ou quase 35 milhões de brasileiros, não têm acesso à água tratada, e apenas 46% dos esgotos gerados no país são tratados, o que significa que aproximadamente 100 milhões de pessoas utilizam de medidas alternativas para coletar e afastar o esgoto de suas moradias, ou seja, utilizam fossas negras ou filtro, e até mesmo lançam o esgoto diretamente nos rios, lagos ou na superfície do solo.
O cenário não é muito diferente no que diz respeito à gestão de resíduos sólidos, pois segundo dados coletados pelo Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (SNIS) e IBGE, mais de 20 milhões de pessoas não têm acesso à coleta regular de lixo na porta de casa.
Além desse fator, segundo estudo feito pelo Fundo Mundial para Natureza (WWF), intitulado “Solucionar a Poluição Plástica: Transparência e Responsabilização”, o Brasil é o quarto país no mundo que mais produz lixo (produz 79 milhões de toneladas de lixo por ano), estando atrás apenas dos Estados Unidos (1º lugar), da China (2º) e da Índia (3º) e, infelizmente, 97% (noventa e sete por cento) do lixo produzido no Brasil não é reciclado, ou seja, na maioria dos Municípios brasileiros não há coleta seletiva dos resíduos sólidos.
Segundo a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), são definidos como Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) todo material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade.
O artigo 3º-C da Lei nº 14.026/2020 por sua vez, considera como serviços públicos especializados de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos as atividades operacionais de coleta, transbordo, triagem para fins de reutilização ou reciclagem, tratamento, inclusive por compostagem, e destinação final dos: resíduos domésticos, originários de atividades comerciais, industriais e de serviços, ou, ainda, os resíduos originários dos serviços públicos de limpeza urbana. Veja-se:
“Art. 3º-C. Consideram-se serviços públicos especializados de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos as atividades operacionais de coleta, transbordo, transporte, triagem para fins de reutilização ou reciclagem, tratamento, inclusive por compostagem, e destinação final dos:
I - resíduos domésticos;
II - resíduos originários de atividades comerciais, industriais e de serviços, em quantidade e qualidade similares às dos resíduos domésticos, que, por decisão do titular, sejam considerados resíduos sólidos urbanos, desde que tais resíduos não sejam de responsabilidade de seu gerador nos termos da norma legal ou administrativa, de decisão judicial ou de termo de ajustamento de conduta; e
III - resíduos originários dos serviços públicos de limpeza urbana, tais como:
Além das atividades de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destinação final dos resíduos sólidos urbanos, a prestação de serviço também incluiu a disponibilização e manutenção de infraestruturas e instalações operacionais para realização destas atividades. Veja-se a redação do artigo 3º, alínea c da Lei nº 11.445/2007, com a redação dada pela Lei nº 14.026, de 2020:
Art. 3º - Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:
(...)
Nesse contexto, cabe aos Municípios instituir as políticas públicas que se fizerem necessárias para atingir cada um dos objetivos traçados pelo Novo Marco do Saneamento, e através de ações e muito planejamento angariar todos os elementos que possibilitem a execução dos serviços de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, e a correta destinação final dos rejeitos.
Os impactos negativos da disposição final e inadequada dos resíduos sólidos motivaram a instituição de Política Nacional de Recursos Sólidos (Lei nº 12.305/2010), contudo, o prazo previsto na referida norma não foi atendido por inúmeros Municípios, por questões técnicas e até mesmo financeiras.
O Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico, por sua vez, ampliou o prazo previsto na Política Nacional de Recursos Sólidos para que os Municípios promovam a disposição final e ambientalmente adequada dos rejeitos até 31 de dezembro de 2020, ou seja, até referida data os lixões e aterros controlados que não contavam com a infraestrutura adequada e necessária para proteger a saúde das pessoas e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado deveriam ser extintos.
Contudo, o prazo acima indicado não se aplica aos Municípios que até 31 de dezembro de 2020 tenham elaborado plano intermunicipal de resíduos sólidos ou plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos e que disponham de mecanismos de cobrança que garantam sustentabilidade econômico-financeira da execução dos serviços públicos de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, para os quais ficam definidos os seguintes prazos:
a - até 2 de agosto de 2021, para capitais de Estados e Municípios integrantes de Região Metropolitana (RM) ou de Região Integrada de Desenvolvimento (Ride) de capitais;
b - até 2 de agosto de 2022, para Municípios com população superior a 100.000 (cem mil) habitantes no Censo 2010, bem como para Municípios cuja mancha urbana da sede municipal esteja situada a menos de 20 (vinte) quilômetros da fronteira com países limítrofes;
c - até 2 de agosto de 2023, para Municípios com população entre 50.000 (cinquenta mil) e 100.000 (cem mil) habitantes no Censo 2010; e
d - até 2 de agosto de 2024, para Municípios com população inferior a 50.000 (cinquenta mil) habitantes no Censo 2010.
Importante ressaltar, que o Plano de Gestão de Resíduos Sólidos é um dos principais instrumentos da Política Nacional dos Resíduos Sólidos, necessário para alcançar os objetivos descritos nesta norma, além de condição necessária para que o Município possa pleitear eventuais recursos públicos federais e os financiamentos com recursos da União (geridos ou operados por órgãos ou entidades da União) destinados a execução dos serviços públicos de limpeza urbana e ao manejo de resíduos sólidos.
Da mesma forma, caberá aos Municípios estabelecer a cobrança de taxa e ou tarifa decorrente da prestação de serviços de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, no prazo de 12 (doze) meses contados da vigência da Lei nº 14.026, de 2020, sob pena de restar configurada a renúncia da receita prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 14 da Lei Complementar nº 101/2000), o que ensejará a aplicação das penalidades prevista nesta lei, sem prejuízos da caracterização de ato de improbidade administrativa derivada da renúncia de receita.
Portanto, caso o Município seja omisso em adotar as medidas necessárias para implementação da cobrança (deixe de cobrar ou não estabeleça os mecanismos para a cobrança), obrigatoriamente deverá demonstrar que a renúncia de receita foi prevista na lei orçamentária, bem como que isso não afetará suas metas de resultados (o atingimento dos planos e metas de Resíduos Sólidos), ou, alternativamente, que adotou medidas de compensação a renúncia de receita.
Registre-se, ainda, que a prorrogação do prazo não confere autorização para operação de lixões a céu aberto, pois referida conduta é proibida e constitui crime ambiental desde 1998 (Lei de Crimes Ambientais), vez que os lixões são fontes de poluição de diversos tipos (contaminação do solo, da água subterrânea, dos córregos e rios e do ar, pela produção de gases prejudiciais ao homem e ao meio ambiente), mas trata-se do prazo conferido aos Municípios para adoção das medidas necessárias para a correta disposição final do rejeitos, o que pressupõe a execução de ações direcionadas à reutilização, reciclagem e valorização dos resíduos sólidos.
Conforme dito acima, o Município terá o prazo de um ano, contado da vigência da Lei nº 14.026/2020 (até 15 de julho de 2021), para proposição do instrumento de cobrança de taxa, tarifa e outros preços públicos dos usuários para custeio dos serviços públicos, de modo a viabilizar todos os investimentos e infraestruturas necessárias para a prestação de serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e a destinação adequada dos resíduos sólidos coletados, cuja execução pode ser dar pela Administração Pública Direta, Indireta ou por meio de Contrato de Concessão.
Acerca dos mecanismos e parâmetros para instituição das taxas ou as tarifas decorrentes das prestação de serviços de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, a lei dispõe que o valor a ser cobrado deve levar em consideração a destinação adequada dos resíduos e o nível de renda da população da área atendida, de forma isolada ou combinada e, ainda, as características dos lotes e as áreas que podem ser neles edificadas, o consumo de água e a frequência da coleta, ao teor do artigo 35 da Lei nº 14.026/2020. Vejamos:
"Art. 35. As taxas ou as tarifas decorrentes da prestação de serviço de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos considerarão a destinação adequada dos resíduos coletados e o nível de renda da população da área atendida, de forma isolada ou combinada, e poderão, ainda, considerar:
(...)
II - as características dos lotes e as áreas que podem ser neles edificadas;
IV - o consumo de água; e
V - a frequência de coleta.
Convém ainda consignar, que a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA editou estudos preliminares acerca estrutura e parâmetros da cobrança pela prestação do serviço público de manejo de resíduos sólidos urbanos no qual estabelece que para definição do valor a ser cobrado de cada usuário, o instrumento de cobrança pode adotar os seguintes parâmetros, isoladamente ou por meio de fórmula paramétrica: i. categoria do imóvel; ii. bairro ou região onde se encontra o imóvel, relacionado ao nível de renda dos usuários; iii.dimensões do imóvel (área construída); iv. frequência da coleta; v. volume de água faturado pelo prestador de serviços de abastecimento de água; vi. volume dos resíduos, efetivos ou cuja coleta e destinação se colocou à disposição; e vii. volume dos resíduos que o usuário destinou à reutilização ou reciclagem.
Como se vê, a norma federal é assertiva ao estabelecer como a sustentabilidade econômico-financeira dos contratos administrativos deve ser assegurada pela cobrança de taxas, tarifas e outros preços públicos dos usuários dos serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, de acordo com o regime de prestação do serviço ou das suas atividades, e ainda, vai além disso, ao indicar que na composição do valor o ente público deve considerar todos os custos com as atividades e pela disponibilização e manutenção de infraestruturas e instalações operacionais de coleta, varrição manual e mecanizada, asseio e conservação urbana, transporte, transbordo, tratamento e destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos domiciliares e dos resíduos de limpeza urbana, visto que esse mecanismo torna o contrato administrativo auto sustentável, possibilitando, portanto, que as metas sejam atingidas nos prazos indicados na lei.
Vale lembrar que, em sendo o caso de terceirização dos serviços de saneamento, a transferência ou delegação dos serviços deve se dar após prévio procedimento licitatório, visto que a lei que passa a vigorar veda a celebração de contrato de programa, convênio, termo de parceria e outros, portanto, a transferência de tais serviços a terceiros tem como premissa a formalização de contrato administrativo após prévia licitação, no qual deve ser assegurada a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, de acordo com os preceitos previstos na Lei de Licitações e Contratos Administrativos.
Dentre as inovações trazidas pelo Novo Marco Legal do Saneamento Básico, a lei criou mecanismos para incentivar a prestação regionalizada dos serviços públicos de saneamento, para viabilizar os investimentos no setor e contribuir com a viabilidade técnica e econômico-financeira dos contratos administrativos, a criação de ganhos de escala e de eficiência, e universalização dos serviços, com o intuito de possibilitar que os municípios pequenos também tenham o atendimento garantido.
Portanto, a regionalização tem como objetivo dar viabilidade econômica e técnica à prestação dos serviços públicos de saneamento aos Municípios menores e com receitas menores, ou, ainda, possibilitar que as infraestruturas sejam compartilhadas entre municípios lindeiros. Atuando de forma regionalizada, vários municípios poderão universalizar o acesso aos serviços de saneamento básico nos prazos previstos na Lei, visto que a licitação se tornará atrativa aos investidores.
Logo, percebe-se que a regionalização é um instrumento de suma importância para universalização dos serviços em cidades ou regiões menores, que sozinhas não conseguiriam viabilizar isoladamente os investimentos em infraestrutura, portanto, tem como intuito diminuir as desigualdades sociais relativas ao acesso aos serviços de saneamento básico, pois em casos de municípios pequenos, é provável que não exista viabilidade para investimento de infraestrutura pelas empresas públicas e privadas para licitações isoladas, ante a menor capacidade de pagamento dos usuários para sustentar a construção e a operação da infraestrutura colocada à disposição da população.
Como se vê, o Novo Marco Regulatório do Saneamento veio de encontro aos anseios da sociedade, e dos preceitos contidos na Constituição Federal que estabelece que cabe ao Poder Público garantir mediante políticas sociais e econômicas à redução do risco de doenças, como também que o meio ambiente, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, seja preservado e protegido para as presentes e futuras gerações, pois, como é sabido, quando há investimento em saneamento básico, há melhorias na saúde pública, no meio ambiente, e impactos positivos e direitos na economia e na qualidade de vida da população, ou seja, há um aumento significativo do Índice de Desenvolvimento Humano.
Contudo, ainda há muito trabalho a ser feito, haja vista que o Brasil ainda caminha a passos lentos no quesito de reaproveitamento dos resíduos sólidos urbanos, já que muito embora seja o quarto país no mundo que mais produz lixo (79 milhões de toneladas de toneladas de lixo por ano), apenas 3% (três por cento) dos resíduos sólidos coletados são reciclados.
Desta feita, imperioso se faz que as políticas públicas estejam voltadas à consecução das metas fixadas no Novo Marco Legal do Saneamento Básico para os serviços públicos de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas, e no que diz respeito ao resíduos sólidos, que sejam implementadas ações concretas e eficazes à reutilização, reciclagem e valorização dos resíduos sólidos e destinação final dos rejeitos produzidos neste processo, a fim de evitar a contínua poluição do solo, das águas e do ar e, possibilitar, que as presente e futuras gerações tenham direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e essencial à sadia qualidade de vida.
Em suma, a lei é uma avanço legislativo significativo, já que possibilita que todos, indistintamente, tenham acesso aos serviços de saneamento básico, o que implica em melhorias diretas na saúde pública (a cada R$ 1 real investido em saneamento básico economiza R$ 4 em gastos com saúde) e na preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, porém, é preciso que o Poder Público não faça desses avanços letra morta, visto que tais mudanças somente ocorrerão através da implementação de públicas eficazes e eficientes, em estrito respeito os prazos conferidos pela Lei nº 14.026/2020 - Novo Marco Legal do Saneamento Básico.
Thaline Silva é advogada, integra a equipe de Direito Privado do Grupo Confiatta e é pós-graduanda em Direito Digital e Compliance.
Érica Verônica Cezar Veloso Lara é advogada especialista em Concessões de Água e Esgoto, da equipe de Direito Privado do Grupo Confiatta. A advogada é especialista em Direito Administrativo, Infraestrutura e Regulatório, e pós-graduada em Direito Público e Municipal.
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